terça-feira, 21 de abril de 2009
A Parteira e o Presidente
A Parteira e o Presidente
Edson Democh é catalano, neto de avôs paternos e maternos vindos da Síria, criador da Fundação Cultural de Catalão, Odontólogo, Historiador e Escritor e hoje nos presenteou com este texto inédito que estará nas páginas de seu próximo livro, a ser lançado em breve.
A PARTEIRA E O PRESIDENTE
Estava eu, procurando material para compor o meu livro 1810, quando encontrei dezenas de histórias orais. Algumas podem não ser importantes para a história, mas são para o folclore e até para a comicidade. A que narro é talvez a mais bizarra e também a mais dramática. O cenário para a mesma são as cidades de Vila Boa e a recém criada Catalão e nos foi contada por uma das descendentes do então Presidente da Província de Goiás, Sr. Francisco Januario da Gama Cerqueira, que governou Goiás nos anos de 1857 a l860. Foi ele que assinou o decreto de elevação de Vila à Cidade de Catalão.
Logo após o decreto que deu à Catalão a condição de cidade, o então Presidente da Província de Goiás, sabedor de todas as dificuldades e situações da nova cidade, quis fazer uma visita de cortesia a antiga Vila do Catalão. Tanto lá como em Catalão, haviam pessoas a favor e contra a elevação da Vila em cidade.
O Presidente então reuniu seus auxiliares e acertou com eles como seria feita a visita. O primeiro problema foi como ir a uma cidade com tanta pobreza, com um povo que se vestia muito mal para receber tão altas autoridades. Após algumas discussões, um dos presentes perguntou se o Palácio havia recebido os tecidos, calçados, rendas, lãs e perfumes e outros, vindos das lojas da rua do Ouvidor no Rio de Janeiro e que abasteciam os altos funcionários da administração. Diante dê uma resposta positiva, ficou resolvido que todo o material desde vestiário a alimentação, seria enviado para as pessoas mais ilustres e as que formavam o governo de Catalão, para que os mesmos se apresentassem bem na visita do Presidente. Os materiais foram enviados com antecedência de dois meses, juntamente com costureiras, alfaiates e cozinheiros.
O dia da partida chegara. Tudo estava preparado no dia 8 de Dezembro do ano de N, S. Jesus Cristo de 1859, após a missa em louvor a Nossa Senhora da Conceição (era feriado). Ao som de banda de música, fogos e vivas, o cortejo sai da igreja da Boa Morte. A comitiva era composta de 30 pessoas. As liteiras traziam as principais autoridades e os demais vinham a cavalo. O avanço era lento, devido as chuvas do mês de dezembro.
No terceiro dia de caminhada, ao entardecer, a esposa do Presidente é acometida de uma alta febre. Acamparam-se e durante toda a noite tentaram abrandar aquela febre, mas nada amenizava aquela enfermidade. Resolve então o Presidente retornar a Capital, mas vem logo a pergunta: o que falar para o povo de Catalão, já que tudo estava preparado para a grande festa? Como o Presidente e seu mulher não eram conhecidos fisicamente fora da Capital, resolveram escolher dentro da comitiva uma pessoa com aparência próxima a do chefe da província. Prepararam o cidadão, vestiram-lhe as roupas e botaram em sua cabeça um grande chapéu de feltro preto que escondia todo o seu rosto. Os dias de permanência na cidade foram reduzidos em dois dias para que não se levantasse suspeitas.
A comitiva seguia normalmente para Catalão, enquanto uma outra, já reduzida, voltava para a capital levando a enferma e o seu esposo. Já estavam bem adiante com o falso Presidente, quando perceberam que não tinham providenciado uma mulher para substituir a mulher adoentada. Como não havia nenhuma na comitiva que pudesse substituir a esposa adoentada, mandaram um soldado a frente com a missão de encontrar rapidamente uma mulher na cidade para fazer o papel da outra e que lhe pagasse muito bem pelo silêncio da encomenda.
Não foi difícil encontrar a pessoa. Alguns quilômetros à frente, uma mulher com um embornal debaixo do braço andava apressadamente pela estrada. O soldado, ao se aproximar daquela mulher assustada e chorando diante daquele homem fardado, foi logo se identificando: sou um soldado do Palácio do Conde dos Arcos e preciso dos seus serviços. A mulher, ainda assustada, diz que é uma parteira e tinha ido ajudar uma comadre a dar a luz. O soldado então lhe conta o acontecido e diante de um bom pagamento ela aceita a proposta de substituir a mulher do Presidente e como iria ficar alguns dias fora de casa em razão da sua profissão, ninguém iria notar a sua ausência - e também a sua presença.
Trouxeram a mulher até a comitiva e após as instruções, ela é vestida com o requinte de uma dama do paço e como fizeram com o homem, botoram em sua cabeça uma rica mantilha valenciana que lhe cobria grande parte do rosto.
O dia chegou. O cortejo vindo de Vila Boa entra na cidade, percorrendo as ruas maltratadas lentamente. Algumas ruas onde moravam as pessoas mais importantes estavam discretamente ornamentadas. Fogos, músicas e vivas se ouviam por toda parte. O sino da igreja anunciou quando o cortejo chegou ao local das cerimônias. Após vários e cansativos discursos, o Intendente anunciou que à tardinha haveria os cumprimentos do povo às autoridades visitantes e em particular as mulheres iriam fazer uma bela homenagem com flores à grande dama de Goiás e que também logo após os cumprimentos aconteceria o grande baile.
Não é preciso dizer o espanto causado na comitiva diante daquele aviso. Várias tentativas foram feitas para que aquela cerimônia não acontecesse, mas foi inútil. A noite chegou e as filas para os cumprimentos eram cada vez maiores. Na fila das mulheres o burburinho era maior e uma delas chamava atenção pelo jeito estranho de se movimentar e de se vestir; trazia nas mãos um ramalhete dê flores roxas e uma fita preta amarrando as mesmas. Na cabeça um véu preto cobria-lhe parcialmente o rosto.
Dentro das salas onde acontecia aquela cerimônia, a luz das velas e das candeias era bem fraca para ajudar na farsa. Aquela mulher estranha permanecia calada, mas foi indagada por uma das mulheres soabre as suas roupas escuras naquela festa Ela respondeu que tinha vindo da roça e não teve tempo para fazer uma roupa nova, pois tinha ficado viúva há pouco tempo e então estava usando a sua melhor roupa.
Aquela mulher na verdade era um homem e se chamava Vicente. Ele tinha vindo a morar em Catalão oriundo de Vila Boa depois de um grande atrito familiar entre ele e a mulher do Presidente da Província, pois ele era irmão da mesma por parte de pai, situação que ela sempre negara. Devido as humilhações que ela o fez passar, ele jurou matá-la e aquele momento era ímpar na sua vida para cumprir a promessa.
Debaixo das saias que usava, escondia um punhal, que tirou e escondeu entre as flores. Ao chegar a sua vez de fazer os cumprimentos, ele rapidamente esfrega as flores no peito da mulher e ao mesmo tempo penetra o punhal que estava escondido entre as flores no coração da mesma, matando-a imediatamente.
Quando ele se prepara fugir, o corpo da assassinada cai e na queda a mantilha que cobria o seu rosto o descobre e alguém grita: é a comadre Zefa! Um silêncio se fez. Vicente, tirando a roupa de mulher, viu que tinha matado sua própria esposa e solta um grito: É a minha mulher! Eu sou inocente….. eu sou inocente!
Vera L. Silva
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